Quem foi São Jorge: história, fé e sincretismo do santo guerreiro celebrado em várias religiões
Descubra quem foi São Jorge, o santo guerreiro venerado por católicos, igrejas cristãs e religiões afro-brasileiras, símbolo de fé, luta e resistência.

Quem foi São Jorge, celebrado por católicos como santo guerreiro
Venerado com grande fervor por católicos e outras tradições religiosas, São Jorge é uma das figuras mais emblemáticas da fé cristã e do sincretismo religioso no Brasil. Conhecido como o "santo guerreiro", seu dia é celebrado em 23 de abril, data marcada por missas, homenagens e rituais em diferentes regiões do país, especialmente no Rio de Janeiro, onde é feriado estadual.
No bairro de Quintino, na Zona Norte da capital fluminense, a celebração começa ainda de madrugada. Às cinco da manhã, antes mesmo do nascer do sol, fiéis se reúnem para assistir à tradicional queima de fogos que marca o início do dia dedicado ao santo. A Igreja de São Jorge, localizada na região, é o principal ponto de encontro dos devotos.
São Jorge: padroeiro, símbolo de proteção e fé
No catolicismo, São Jorge é padroeiro de cavaleiros, soldados, escoteiros, esgrimistas e arqueiros. Sua imagem é frequentemente associada à luta contra o mal, simbolizada pela lendária batalha contra um dragão. O site oficial do Vaticano resume bem a ideia que o cerca:
“Como acontece com outros santos envolvidos por lendas, poder-se-ia concluir que a função histórica de São Jorge é recordar ao mundo uma única ideia fundamental: que o bem, com o passar do tempo, vence sempre o mal. A luta contra o mal é uma dimensão sempre presente na história humana, mas esta batalha não se vence sozinho: São Jorge matou o dragão porque Deus agiu por meio dele.”
Além da Igreja Católica, outras vertentes cristãs, como a Igreja Anglicana e a Igreja Ortodoxa, também reconhecem São Jorge como santo. Ele também é cultuado por adeptos de religiões afro-brasileiras, como a umbanda e o candomblé, onde seu simbolismo guerreiro é profundamente respeitado.
Origens históricas e lenda do dragão
A história de São Jorge, embora envolta em mitos, tem raízes em tradições orais e documentos antigos. Acredita-se que ele tenha nascido por volta do ano 280, na Capadócia — atual território da Turquia —, em uma família cristã. Mais tarde, mudou-se para a Palestina e se alistou no exército do imperador romano Diocleciano. Quando este iniciou uma perseguição contra os cristãos, Jorge se recusou a renunciar à fé, sendo torturado e decapitado em 303 d.C.
Uma epígrafe grega de 368 d.C., encontrada em Eraclea de Betânia, menciona “a casa ou igreja dos santos e triunfantes mártires, Jorge e companheiros”, sendo um dos raros registros históricos sobre o santo.
Durante as Cruzadas, a lenda do dragão ganhou força. Segundo a tradição, Jorge salvou a filha de um rei ao matar um dragão que aterrorizava uma cidade. Essa história se tornou um símbolo do combate ao mal e reforçou a imagem do santo como protetor e guerreiro espiritual.
Popularidade e sincretismo com Ogum
Segundo o historiador Luiz Antônio Simas, São Jorge faz parte do grupo dos “santos do cotidiano”, aqueles aos quais os fiéis recorrem para superar problemas imediatos, como Santo Expedito. Ele destaca a ligação de Jorge com a rua, com a vida real e com as batalhas do dia a dia.
Na cultura afro-brasileira, especialmente na umbanda e no candomblé, São Jorge é frequentemente associado a Ogum, o orixá guerreiro. No entanto, essa associação é simbólica. A socióloga e mãe de santo Flávia Pinto, da Casa do Perdão, esclarece:
“São Jorge não é Ogum. Por um motivo histórico e cronológico. São Jorge existiu há cerca de dois mil anos. Já Ogum é um orixá milenar, com origem na cidade de Irê, na Nigéria. Naturalmente, Jorge é um filho pródigo de Ogum, mas não o próprio.”
Ela ainda ressalta que o sincretismo entre santos católicos e orixás não pode ser romantizado, pois foi uma forma de resistência em um contexto de opressão religiosa e cultural.
São Jorge além das fronteiras religiosas
Curiosamente, até mesmo entre muçulmanos há respeito por São Jorge. Alguns estudiosos sugerem que ele possa estar representado no Alcorão como Al-Khidr, uma figura de sabedoria e poder. Essa aceitação em diversas tradições espirituais reforça a universalidade de São Jorge como símbolo de coragem, fé e superação.
A devoção a São Jorge permanece viva e atual, atravessando séculos e fronteiras religiosas. Seja no altar da igreja, nas ruas de Quintino ou nos terreiros de umbanda e candomblé, ele continua sendo um guia espiritual poderoso para milhões de brasileiros.